Entrevista com William Trubridge

"Ao mergulhar mais fundo... redefinimos os nossos limites"


Foto: Igor Liberti

Dean's Blue Hole, Bahamas, 16 de Dezembro de 2010. William Trubridge torna-se o primeiro a mergulhar abaixo dos 100m de profundidade na disciplina de "Peso Constante sem barbatanas".

Numa única inspiração, Trubridge mergulha até aos 101m de profundidade e regressa à superfície após 4 minutos e 8 segundos, utilizando apenas os seus braços e pernas para deslocar-se, sem barbatanas ou lastros. Para William, esta é a disciplina mais pura do Mergulho Livre.

Esta aventura foi chamada de Projecto Hector, como referência ao hectometro (a unidade métrica igual a 100 metros) e também como forma de chamar a atenção dos golfinhos Hector (Cephalorhynchus hectori), que é uma espécie endémica da Nova Zelândia em vias de extinção.

Apenas há alguns anos atrás, seria absurdo pensar que o ser humano fosse capaz de mergulhar em apneia aos 100m de profundidade e regressar à superfície pelos seus próprios meios, mas parece que Trubridge está a redefinir os limites pelos quais o nosso corpo e mente são capazes de operar em condições tão extremas.

Brevemente será lançado o documentário "Breathe", focado no seu treino e preparação para esta tentativa de recorde do mundo.

Entrevista:

João Costa: No final de 2010, foste o primeiro homem a mergulhar abaixo dos 100m de profundidade, na disciplina de mergulho livre “Peso constante sem barbatanas”. O que é que isso significou para ti e como relembras esses momentos?

William Trubridge: Há cinco anos atrás o recorde do mundo estava nos 80m de profundidade, e mesmo isso era já um recorde monumental que muitas pessoas acreditavam estar no limite do possível, e que se manteve imbatível por dois anos. O conceito de um mergulho sem assistência aos 100m de profundidade era apenas uma hipérbole ou mito. Então, quando alcancei o que tinha previsto como meu objectivo de carreira, os 92m de profundidade (300 feet) em Abril do ano passado, senti que essa profundidade não era o limite. Repentinamente, a marca dos pomposos três dígitos começou a perseguir e tentar-me incessantemente… quando finalmente atingi essa profundidade, após um período de muitos desafios, foi um enorme alívio e uma honra por ter realizado um bom desempenho na história do nosso desporto.

JC: Porquê mergulhar mais fundo, qual o apelo pelo “Big Blue”?

WT: Faço-o principalmente pelo sentido de exploração e desafio. Ao mergulhar mais fundo, do que o corpo humano alguma vez foi, redefinimos os nossos limites como espécie e é excitante estar nessa fronteira. Sou também o tipo de pessoa que necessita ser desafiada, quer física quer mentalmente, e o mergulho livre é um desporto que preenche ambas. Além destas duas respostas, a sensação de imersão na água, mergulhando profundamente num local onde sons, luzes e outros estímulos desvanessem é uma experiência de outro mundo em que me sinto abençoado por puder desfrutar.

JC: Como te prepares para tais profundidades, como sintonizas o teu corpo e mente?

WT: Faço imensos exercícios para desenvolver a flexibilidade dos pulmões, tórax e diafragma. Alguns desses são de yoga, outros eu próprio os desenvolvi. Em treino tento desenvolver ao máximo a minha técnica de natação e força, incluindo exercícios de tolerância à hipercapnia e hipoxia. Yoga, técnicas de relaxamento e visualização ajudam-me a entrar no pacífico estado mental necessário ao mergulho profundo.

JC: Quais os desafios físicos e mentais que enfrentas para mergulhar em profundidade?

WT: Os desafios físicos são: pressão (equalizar numa profundidade onde os pulmões têm metade do volume de superfície após uma expiração completa), hipercapnia (extremos níveis de CO2 que te fazem querer ar), narcose (derivada dos altos níveis de dióxido de carbono e nitrogénio na corrente sanguínea), hipoxia (quando o oxigénio rareia no fim do mergulho) e a enorme quantidade de ácido láctico acumulado nos músculos. Os desafios mentais estão maioritariamente associados a gerir estes desafios físicos, a não deixa-los afectar-me negativamente - estar calmo e focado enquanto o corpo está a funcionar nestes limites extremos.

JC: Quais os princípios a seguir para aumentar a profundidade?

WT: Ser sempre conservador na progressão da profundidade. Se sentes-te bem num mergulho a trinta metros não tentes quarenta. Vai aos trinta e um, trinta e dois e proporciona-te um outro mergulho fácil. Desta forma a tua confiança e postura aumentarão em profundidade.

JC: Quais os factores que limitam o ser humano a mergulhar mais fundo?

WT: A pressão, narcose e ácido láctico nos músculos – tudo isso pode tornar-se tolerável com treino intensivo. O oxigénio será sempre o maior factor limitante. Existem mamíferos da mesma dimensão que os humanos que mergulham mais fundo e durante mais tempo, e isto é possível por causa da sua composição corporal  adaptada a guardar mais oxigénio nos músculos e na corrente sanguínea, assim como o trabalho anaeróbico durante o mergulho de forma a conservar oxigénio para o coração e cérebro. Penso que o maior ganho a ser feito no mergulho livre pelo ser humano é treinar estes sistemas para que o nosso organismo possa funcionar de forma semelhante ao dos mamíferos marinhos.

JC: Em breve será lançado um novo filme de Mergulho Livre entitulado “Breathe” (Respirar) onde serás o actor principal. O que esperar dele?

WT: Estou muito entusiasmado com este documentário, pois foi filmado por uma equipa de filmagem americana usando uma câmara de filmar de topo chamada “Red One”. Já vi pequenas partes, mas já confiro que a cinematografia é excepcional. Foca-se essencialmente no meu treino e preparação para o recorde do mundo de 2010 e tem entrevistas com a minha família e elementos chave da minha equipa de mergulho, assim como alguns autóctones das Bahamas que falam sobre a lenda do Blue Hole.

JC: És também instrutor de Mergulho Livre, podes dizer-nos o que esperar dos teus cursos?

WT: Tento incorporar algumas das descobertas que fiz nos meus mergulhos e treinos que não serão provavelmente encontrados nos cursos de outras escolas. Os nossos cursos são bastante orientados à melhoria técnica de forma a desenvolver segurança, diversão e performance.

Ensinamos no Dean’s Blue Hole no Inverno, que é facilmente considerado como o melhor local do mundo para mergulhar e estamos na Europa no Verão para dar estágios de 3 dias em alguns dos melhores locais (do Mar Mediterrâneo).

JC: Quais os teus planos futuros?

WT: Vou competir no Campeonato do Mundo na Grécia este Setembro, onde tenho a esperança de defender o meu título mundiais em "Peso Constante sem barbatanas" e "Imersão Livre", como também talvez desafiar na disciplina de "Peso Constante com barbatanas". Depois regressamos às Bahamas para o nosso Master Class anual e preparação para o Vertical Blue 2012. A longo prazo, quero continuar a explorar o potencial subaquático humano pelo menos durante mais dez anos. O Mergulho Livre parece ser um desporto em que os atletas atingem picos de carreira durante os fins dos seus trintas. Além disso também espero continuar a desenvolver um papel onde posso utilizar a exposição e influência que tenha para realizar uma mudança positiva no ambiente, especialmente nos mares.

JC: Existe alguma mensagem especial que desejes deixar a todos os que partilham esta conexão comum com o Oceano?

WT: Dizem que a natureza tem resposta para tudo – apenas tens que saber para onde olhar. Isto já me foi provado tantas vezes pela grande sabedoria do oceano. Ouve o mar – está sempre a dizer-te algo a cada instante.