Entrevista com Tanya Streeter

"Nós somos feitos para mergulhar em apneia, para não respirar debaixo de água"



Mar das Caraíbas, 17 de Agosto de 2002, Tanya Streeter mergulha até aos 160m de profundidade na ​​disciplina de "No Limit". Uma profundidade a que nenhum ser humano tinha ido antes apenas com uma única inspiração.

Já se passaram quase 10 anos desde então, mas este mergulho é ainda o actual Recorde do Mundo Feminino.

Tanya nasceu em 1973 em Grand Cayman e mergulha desde sua infância, mas foi somente aos 25 anos de idade que descobre seu talento extraordinário para o mergulho livre. Logo depois, começa a estabelecer recordes mundiais, alguns deles absolutos, tendo estabelecido 9 recordes mundiais em todas as disciplinas do mergulho livre, entre 1998 e 2003.

Colaborou com vários fisiologistas especializados, no sentido de entender a ciência por detrás da apneia e esteve também envolvida em vários projectos relacionados com a conservação dos Oceanos.

Além da actividade de mergulho livre de competição, foi também apresentadora de documentários de aventura sobre animais selvagens, tais como, "Freediver", "Dive Galapagos" e "Shark Therapy".

Hoje em dia, Tanya Streeter vive em Austin, Texas com seu marido Peter e sua filha de dois anos, Tilly, mas ainda tem tempo para uma vez por ano dar aulas de mergulho livre aos convidados do resort Amanyara nas ilhas de Turks & Caicos.

Entrevista:

João Costa: Em 2002, estabeleceu um novo recorde do mundo na disciplina de “No Limits”, superando o Recorde do Mundo Masculino. O que é que isso realmente significou para si?

Tanya Streeter: O que realmente significou para mim foi algo apenas pessoal. Não considero que ultrapassei alguém além de mim mesma ao atingir esse recorde. Foi uma jornada dura e o mergulho final foi o maior desafio mental com que deparei-me no desporto, por isso ainda levou muito tempo para pensar no mergulho que fiz como sendo o melhor de todos, apenas fiquei feliz por ser melhor do que aquilo que julgava ser!

JC: Quais são esses desafios mentais que um mergulhador deve enfrentar para mergulhar mais fundo?

TS: Os desafios não são únicos para o desporto Mergulho Livre, serão os mesmos ao enfrentar qualquer outro desafio em qualquer outro ambiente, mas provavelmente os desafios mentais são específicos ao indivíduo. Para mim, o receio não era mergulhar mais fundo mas sim falhar na minha missão e desapontar todos aqueles que me apoiaram ao longo do caminho. Também sou intrinsecamente tímida, por isso também tive medo do sucesso, porque significava muita exposição mediática. Acima de tudo, tinha medo do julgamento que faria de mim própria.

JC: O que é que mais recorda desses momentos e o que sente sobre isso actualmente?

TS: Agora consigo entender melhor a magnitude desse feito um pouco melhor, ter ultrapassado os homens e ter mergulhado tão fundo. As minhas memórias já estão um pouco enevoadas, provavelmente porque estou muito focada na minha vida actual, mal tenho energia e tempo para pensar em memórias! Mas, terei muito orgulho em partilhar essas realizações com a minha filha (e futuros filhos!) quando tiver(em) a idade suficiente para o entender, mas mantendo sempre em perspectiva. Foi algo fantástico de se fazer, mas não significa que encontrei a cura para o cancro ou algo semelhante. Não foi nada de tão especial assim.

JC: Porquê que quis mergulhar tão fundo? Qual foi o apelo para pelo “Big Blue”?

TS: O apelo foi sempre conhecer-me cada vez mais um pouco melhor. O mar foi o meu jardim-de-infância em criança e a minha arena em adulta. Penso que estava no meu destino viver uma vida de aventuras e sinto-me enormemente abençoada por ter tido as minhas aventuras no mar.

JC: Como se preparava para tais profundidades, como afinava o corpo e a mente?

TS: Com muito treino, a maior parte do qual foi muito, muito simples. Treino cardiovascular para coração e pulmões, treino de alongamentos para os vários músculos envolvidos (dependendo da disciplina para a qual estava a competir), treino de apneia estática, porque a detestava, e treinos de mergulho específicos.

JC: Esse método parece bastante linear, já considerou publicar uma versão detalhada para a comunidade de Mergulho Livre?

TS: Eu publiquei o meu treino num diário online quando realizei os meu recordes em “No Limit” e Peso Variável, mas já foi há tanto tempo que nem sei mais onde encontra-lo. Não me recordo do conteúdo quase uma década depois!

JC: Quais os princípios que devem ser conhecidos para praticar Mergulho Livre adequadamente?

TS: Jamais praticar sozinho(a)! Depois, apenas conhecer-se bem, o teu corpo e a tua mente. Nós somos feitos para mergulhar em apneia, não para respirar debaixo de água. Por isso basta aprender a fisiologia e aplica-la!

JC: Está actualmente envolvida num projecto intitulado “The Big Blue Experience”, pode dizer-nos um pouco mais sobre isso? Algum futuro plano para ensinar Mergulho Livre?

TS: Não, não tenho planos para ensinar. Tenho ido a Amayara nos últimos 4-5 anos por uma semana, mas não é um curso estruturado que ensino, é mais levar pessoas muito bem sucedidas a mergulhar no paraíso. É fantástico! Foi um jornalista que escreveu um artigo sobre as suas experiências lá comigo que intitulou a sessão "The Big Blue Experience".

JC: Para além do mergulho livre propriamente dito, também esteve envolvida em vários projectos ambientais. O que gostaria de dizer sobre a importância da conservação dos Oceanos?

TS: Em primeiro lugar, sempre que faço qualquer trabalho para os media ou para o público em geral, transmito sempre a mensagem de proteção dos nossos oceanos. Eu sou uma apoiante orgulhosa de um grupo de conservação marinha e tubarões chamado "Bite Back". Não só os tubarões são criaturas fascinantes, mas são também um excelente barômetro para a condição dos oceanos, pois eles são os predadores de topo da cadeia alimentar. As baleias são semelhantes a este respeito também. Se começarmos a ver maior sofrimento destes animais, é um sinal vermelho de que estamos indo no sentido errado. E se nossos oceanos estão com uma saúde debilitada, nós seremos diretamente afectados na terra também. O mar dá vida a tudo, por isso temos certamente de protegê-lo. É muito fácil de fazer algumas mudanças no nosso estilo de vida que terão um grande impacto na conservação dos oceanos e nos seres vivos que nele habitam.

JC: Gostaria de deixar alguma mensagem especial a todos(as) aqueles que partilham esta ligação comum com o Oceano?

TS: Protege-o. Se o oceano inspira-te numa jornada de vida, então presta-lhe toda a tua reverência.

JC: Para finalizar, tendo em conta as suas aventuras de mergulho livre, recordes do mundo e documentários, qual o momento mais memorável que recorda?

TS: Enviar um beijo ao oceano a 160m de profundidade é uma de muitas, muitas memórias fantásticas que tenho. Esta memória é muito significativa para mim porque amo o mar por este ter-me proporcionado uma profunda compreensão de mim mesma.