Entrevista com Patrick Musimu

"O Mar guarda a chave para outra dimensão"



A 30 de Junho de 2005 no Mar Vermelho, Patrick Musimu redefiniu os limites humanos com um mergulho aos 209,6m de profundidade na disciplina de "No Limit".

Na altura, um mergulho em apneia abaixo dos 200m de profundidade era impensável, inclusivé a maioria da comunidade de mergulho livre estava muito céptica em relação a um mergulho desta magnitude, pois isso representaria um avanço de mais de 30m de profundidade em relação ao recorde anterior, algo sem precedentes.

Musimu não quis homologar a sua performance junto de nenhuma federação, mas acabou por provar que era possível mergulhar para além daquela profundidade contrariando os conceitos e dogmas existentes. (ver video)

Aliás, para Patrick a disciplina de "No Limit" não é nem deveria fazer parte de uma actividade desportiva, mas sim parte de uma aventura na exploração do potencial humano.

Por isso Patrick Musimu está envolvido num novo projecto designado por "No Limit Triple Quest", no qual procura explorar novas profundidades em três vertentes do "No Limit": Tandem, Tradicional e Absoluto.

Neste momento, está no Egipto em Hurgada numa sessão de treinos que visam a preparação para um novo mergulho na disciplina de "No Limits" Absoluto para além dos 200m de profundidade.

Entrevista:

João Costa: O que significou mergulhar a mais de 200m de profundidade em 2005 e como recordas esses momentos?

Patrick Musimu: Significou liberdade! Na verdade, quer queiramos ou não, fazemos parte de um sistema que gosta de induzir o nosso comportamento e comandar os nossos modos de pensar. O meu mergulho lembra-nos que ainda existe a chamada liberdade de escolha. A minha acção teve o mérito de referenciar e recordar a todos a capacidade de moldar os nossos sonhos e tornar-los realidade. As barreiras estão na nossa mente. Aceitar limites, sejam nossos ou impostos, é falhar no nosso dever como seres humanos. O destino assim não parece ser uma força maior, é-nos dado para fazer escolhas e ouvir a nossa voz interior.

Se tivesse que resumir tudo o que me foi dado a ver, tocar e sentir, diria: “Lá em baixo encontrei um lago e voltei a respirar.

JC: Porquê mergulhar ainda mais fundo, qual o apelo pela “vertigem azul”?

PM: Não sei explicar-te o porquê. Apenas necessito disso. O mergulho profundo tem a ver com reposicionar-me. Lá em baixo entro numa nova dimensão e toco o sétimo céu quando “deixo de existir”, como se cada célula do meu corpo fosse uma entidade por si só.

JC: Então o Mergulho Livre é mais do que um exercício do corpo e da mente?

PM: O Mergulho Livre profundo é uma forma de yoga. Qualquer actividade praticada com assiduidade e perseverança pode levar-te a níveis superiores de Consciência, assim como a pintura, as artes marciais, etc… só o “No Limits” permite-me focar mais na mente do que no corpo.

JC: Como te preparas para tais profundidades, como sintonizas o corpo e a mente?

PM: Pratico sessões de meditação entre 20-40 minutos todos os dias. Pratico actividades aeróbicas por 20 minutos (2 ou 3 vezes por semana) com batimentos máximos de 120bpm, mais 2 sessões por dia para flexibilidade da coluna e estimulação muscular (sem reforço!)

JC: Isso parece um treino geral para qualquer desporto, existem algumas técnicas específicas?

PM: O segredo está todo nos detalhes. Eu fiz recordes mundiais em todas as disciplinas de profundidade. Mesmo quando fiz o recorde em Peso Constante o meu treino de rotina foi treinar duas vezes no ginásio. Tem tudo a ver com eficiência, mas para obter estes resultados tens de compreender bem a essência do que estás a fazer.

JC: Por falar em essência, quais os princípios do Mergulho Livre que se devem aprender?

PM: Aprender a ter paciência e estar pronto para “olhar-se ao espelho”. Mergulho Livre não é o sobre a profundidade que vais ou quanto tempo susténs a respiração. Em minha opinião, tornaste um mergulhador livre no dia que te aperceberes que não tens de pensar que precisas de suster a reapiração enquanto mergulhas.

JC: Como se o tempo não existisse?

PM: Torna-se apenas um processo natural em ti.

JC: Sentes que há um limite, ou melhor, quais são actualmente os factores limitantes para mergulhar profundamente?

PM: Em cada passo dado pelo Homem, existe um limite e cada limite que enfrente vai tentar ultrapassa-lo. Qualquer espécie que mergulha vai até uma certa profundidade. Provavelmente o passo crucial para a humanidade será quando o seu sistema nervoso sofrer de permanente anoxia.

JC: A que profundidade isso pode acontecer e que medidas tomas para evitar esse risco?

PM: Ninguém pode prever essa profundidade. Segundo cientistas e especialistas de mergulho, o meu mergulho em 2005 foi considerado impossível. Acredito que serei responsável e atento o suficiente para ouvir o meu corpo antes desse ponto.

JC: No teu livro a editar em breve, escreves na tua autobiografia que “Estamos todos destinados a morrer um dia. Nascemos para morrer melhor”. Podes falar um pouco mais sobre este livro e quando estará disponível?

PM: O livro surgiu em Agosto de 2005 quando comecei a escrever o que vivi, toquei e senti durante o meu mergulho de -209m. A partir daí, tive eu próprio que compreender que desafiei o mundo, a ciência e os hábitos ao ter mergulhado a essa profundidade. Rever a minha vida, o que já passei desde os 10 anos, um pouco também sobre os sistemas que regulam a nossa vida e compõem a sociedade actual. Muito será revelado. Sairá em primeira mão em Itália ainda este ano.

JC: Estás agora envolvido noutro desafio, o "No Limit Triple Quest", podes falar um pouco sobre este projecto e qual é a tua motivação?

PM: O NL TQ é essencialmente explorar as três formas de "No Limits". Cada uma tem a sua própria motivação. O Tradicional está já explicado no meu blog. O Tandem é partilhar sentimentos e emoções com um(a) parceiro(a). O Absoluto é reconectar-me comigo mesmo. Mas, o objectivo mais ambicioso deste Triple Quest é aceitar falar sobre ele. Explicar os altos e baixos e não apresentar-me como um mutante capaz de coisas incríveis.

JC: Tens alguma mensagem especial que queiras deixar a todos(as) que partilham esta ligação comum com o Oceano?

PM: São tantas as pessoas que não têm a oportunidade de partilhar esta ligação. Como dever à Humanidade, partilhar os teus privilégios é o mínimo que podes fazer por quem está em busca de inspiração nas suas vidas.